1/21/2013

Monasteiro De Debre Damo Etiópia


  O acesso ao mosteiro Debre Damo não é adequado para todos por duas razões: só os homens têm permissão para acessar, e isso requer uma boa condição física, considerando que a entrada do mosteiro, é levantado e preso em um penhasco de cerca de 30 metros de altura e é acessível apenas por uma corda.


Cada 24 de outubro acontece a peregrinação ao monastério de Debre Dano, nos altos  da Abissínia, província do Tigre. Uma montanha de pedra, terminando em um cume liso, forma uma espécie de fortaleza geológica. Debre Dano é o mais antigo monastério da Etiópia e os peregrinos, cerca de 50 mil, chegam todos os anos caminhando durante muitos dias, debaixo de um sol forte e inclemente. Diante da rocha sagrada, a massa humana fica reunida na festa votiva, onde se comprimem mutilados, cegos, surdos-mudos, leprosos. Sem falar de ladrões de todos os tipos, sempre presentes nas aglomerações. Soldados com chicotes abrem caminho para os que querem chegar até a ponta da falésia. O único meio de subir para o mosteiro é uma corda feita com oito tiras de couro de boi trançadas, o que é um verdadeiro malabarismo. O espetáculo surrealista  se repete há 15 séculos. A lenda diz que o monastério foi fundado no século VI por Za Mikael, ou Aragawi ( O Velho), vindo da Síria. Extasiado com o lugar predestinado à meditação e ao recolhimento, teve a visão de São Miguel. O santo apareceu com uma serpente imensa, que levou Aragawi ao ponto mais alto da montanha. Daí a corda, que ainda hoje é usada, simbolizando a serpente divina.
Como o monastério é proibido para mulheres, e só os homens podem tentar a subida de 25 metros na força dos braços, também as oferendas aos monges de animais como cabras e carneiros, só podem chegar ao monastério se forem animais do sexo masculino. Apenas os pássaros, porque é impossível impedi-los de voar, sobem dos dois sexos.  Em tempos normais, a subida é um exercício esportivo. Mas quando milhares de iluminados tentam subir ao mesmo tempo, tudo se transforma em uma enorme confusão. Os dois militares que controlam a corda, sempre tomada de assalto na base da pancadaria e do porrete, fazem o que é possível para dirigir o caos insensato. Às vezes conseguem afastar os fanáticos, que se acalmam por alguns instantes, antes de retornar com mais ímpeto e fôrça. O problema fica ainda maior quando a corda é utilizada ao mesmo tempo, pelos que tentam subir e os que tentam descer.
Quem consegue  a façanha de chegar ao alto, encontra na parte lisa da pedra um portal que dá passagem apenas para uma criança de 12 anos, de tão pequeno. Mesmo lá existe o comércio entre os que estão no alto e recebem garrafas vazias para serem preenchidas de água da chuva, acumulada em cisternas encravadas na rocha. A água benta é devolvida aos que permanecem no chão, causando um novo momento de balburdia, já que todos acreditam que a água é milagrosa e tem poderes curativos sobrenaturais.
Uma centena de monges vivem em Debre Damo, depois de fazerem voto de pobreza, obediência e caridade. Passam 364 dias sem terem contato com ninguém. Mas no dia 24 de  outubro, data em que Aragawi desapareceu no ano 534, o mundo desaba na vida dos monges. É preciso explicar que eles acreditam que Aragawi não morreu, apenas desapareceu ao olhar humano, enquanto espera a Ressurreição. Nesse dia os peregrinos têm licença de dormir no lugar do Monastério, já que na manhã é realizada uma missa. Para eles os monges preparam barris de talla, uma bebida fermentada na base de plantas, que chamam de cerveja. Durante toda noite os monges se revezam  ao microfone ( um mecenas instalou eletricidade, há dois anos, no lugar) , para celebrar a missa retransmitida pelo alto falante. E assim, ninguém consegue dormir. Mas como o álcool faz efeito, as vozes dos oficiantes vai ficando cada vez mais pastosa e lá pelas 2 horas da manhã, só se ouvem sussuros e alguns sons de lamentação, repetidos em “boucle” e em “guèze”.
Ao amanhecer a igreja de pedra e madeira, que abriga o Santo dos Santos, recebe a veneração de 5 mil penitentes que têm a honra de subir a corda sagrada. O ofício religioso dura 2 horas e meia. Após a missa, monges e padres formam uma procissão, vestindo togas e chapéus de cores vivas, tendo noviços carregando guarda-chuvas e incenso, com todo o fausto e brilho das Igrejas do Oriente, como nos primórdios dos tempos. A procissão dá 3 voltas em torno da igreja, 3 voltas em torno da thébaide., significando a Sagrada Trindade. Do alto da falésia, os homens de Deus abençoam as mulheres e os que ficaram isolados lá embaixo. Os fiéis se prostam e beijam a terra. Um coro de salmos e preces enche os céus da Etiópia,na fé simples, ingênua, única, que toma conta de todos. Ao meio dia todas as cerimônias terminam. Quando o último peregrino deixa a corda sagrada, tudo volta ao silêncio, à vida normal. E os monges de Debe Damo ficam sozinhos, enfrentando a eternidade.





Caminhantes